quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Abertura da Sucessão. Transmissão da Herança. Aceitação e Renúnica da Herança. Cessão de Herança

FACULDADE SANTO AGOSTINHO
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
DIREITO DAS SUCESSÕES
PROFESSOR JOÃO SANTOS DA COSTA
Roteiro de Aula 02 _____/______/_______

Abertura da Sucessão. Transmissão da Herança. Aceitação e Renúncia da Herança. Cessão da Herança.
1.0 Noções prévias
O momento da abertura da sucessão: a morte[1], enquanto fato jurídico, é o momento em que o patrimônio do de cujus “transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”[2] (art. 1.784 do CC)[3]

Nota:
Os legatários somente entram na posse dos bens após a partilha, adquirindo a propriedade dos bens infungíveis desde a abertura da sucessão, e dos fungíveis somente após a partilha;

Comoriência – é importante a fixação do momento exato do tempo da morte.[4] Prescreve o art. 8º do CC/02 que “ se dois indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se alguns dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”.

Morte Presumida – preceitua o CC, art. 6º que a morte do ausente será sempre presumida. Mas admite o mesmo diploma que pode ocorrer a morte presumida sem a decretação de ausência (art. 7º)[5].

O lugar: pela redação do art. 1.785 do CC “a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”, fixando-se aí o juízo universal da herança.[6]
Outras regras de competência: ver art. 96 do CPC, parágrafo único (autor da herança sem domicílio certo); e art. 94, § 1º (autor da herança com pluralidade domiciliar).
Sucessão de estrangeiro: Competência - art. 89, II do CPC; Lei aplicável – art. 10 da LICC e art. 5, XXXI da CF; Validade forma do testamento – art. 9º, § 1º da LICC.


2.0 Transmissão e aceitação da herança
Princípio da sassine[7]: corresponde ao direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos bens que constituem a herança.

Sistemas de aceitação da herança, encontrados na tradição romana:
• aquisição de pleno direito pelos herdeiros necessários (heredes sui et necessarii);
• sistema da adição da herança (aditio), aplicado a quem não era herdeiro necessário;
• sistema do deferimento judicial, aplicado aos casos não previstos no ius ciivile de origem pretoriana, hipótese em que havia apreensão dos bens (bonorum possessio).

Aberta a sucessão, sucede a delação, que significa o oferecimento da herança. No nosso sistema, ambas correspondem a faces de um mesmo fenômeno.

Efeito da aceitação – retrooperante - incidência do art. 1.804 do CC/2002:

“Art. 1804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão”.

Efeito da renúncia – incidência do art. 1.804, § único do CC:

“Art. 1804. ... .

Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança’.

3.0 Aceitação da Herança – Conteúdo e Forma. Renúncia
Aceitação:
– insere-se na categoria dos atos não receptícios;
- é ato de natureza unilateral não receptício;
- não pode ser subordinada a termo ou condição (art. 1.808);
- não se admite aceitação parcial;
- se o herdeiro também recebeu legados, pode aceitar estes e renunciar a herança ou vice-versa (art. 1.808, § 1º);
- se o herdeiro é chamado a herdar por títulos diversos, pode deliberar sobre os que aceita ou renuncia;
- a aceitação é via de regra ato irrevogável[8] (ar. 1.812);
- a aceitação não requer formalidade especial;

Art. 1.805 do CC:
Art. 1805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita[9], há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro[10].
§ 1º Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos[11], como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória.
§ 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros[12].
O art. 1.807 obriga, de certa forma, o herdeiro a dizer sobre a aceitação da herança, sendo que sua omissão implica aceitação.
Art. 1.807. O interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não, a herança, poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar o herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita.
O art. 1.809 confere aos herdeiros de herdeiro falecido o direito de aceitar ou não a herança, valendo a declaração como se tivesse partido do herdeiro primitivo.
Inovação do art. 1.809, § único: Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar a primeira.
Em outras palavras, o herdeiro neto, desde que aceite a herança do pai, quando este nada disse sobre a herança do avô daquele, pode aceitar ou renunciar a herança do avô[13].

Renúncia:
• é ato unilateral, caracterizando-se como negócio jurídico abdicativo;
• deverá constar de escritura pública ou termo judicial (art. 1.806);[14]
• não se admite renúncia prévia;
• a renúncia deve ser ato puro, se for feita em favor de terceiro (ad favorem), será tida como cessão de herança ou doação;
• se há aceitação em seguida, ocorre transmissão inter vivios;
• também pode ser feita por mandato, via escritura pública;
• a lei anterior falava em retratação da renúncia por violência, erro ou dolo, ouvindo-se os interessados; o código atual admite a transação, caso todos os herdeiros concordem com a existência do vício de vontade na aceitação ou renúncia, do contrário, o problema deverá ser levado ao poder judiciário;
• os incapazes podem renunciar com autorização judicial;
• se o renunciante for casado, seu ato dependerá da outorga do cônjuge, visto se a herança bem imóvel (art. 80, II);
• quem renuncia deixa de ser herdeiro ex tunc, como se nunca tivesse existido, sendo que sua parte acresce à dos demais herdeiros;
• o art. 1.811 ressalva o direito dos filhos de herdeiro único renunciante, que herdam por direito próprio e por cabeça; na falta desses, passa-se à classe subseqüente;
• se a renúncia recair sobre legado, deve-se obedecer a vontade do testador, podendo ser chamado substituto indicado no testamento[15]; na falta deste, devolve-se o legado ao monte;

Obs. Art. 1.813: podem os credores, com autorização judicial aceitar a herança em lugar do herdeiro renunciante, até os limites das dívidas, devolvendo-se o restante ao monte para ser partilhado entre os demais herdeiros[16].

4.0 Aceitação da Herança sob Benefício de Inventário
Noção: consiste em privilégio do herdeiro em aceitar a herança, sem que fique obrigado aos encargos que superem as forças desta[17].
• não é mais aplicado em nosso ordenamento, acreditando-se ter tido importância antes do CC/16;
• Regra atual: art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados[18].

5.0 Cessão de Direitos Hereditários (Venda ou Alienação da Herança ou de Bens da Herança)
Corresponde ao direito do herdeiro legítimo ou testamentário de ceder, gratuita ou onerosamente, seu direito hereditário.
Regras no CC/2002 – art. 1.793-1795
Art. 1793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente[19].
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Art. 1794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Art. 1795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.

[1] Não se admite no direito atual a morte civil. A morte deve ser provada, tanto no plano biológico quanto no jurídico, com certidão passada pelo oficial do Registro Civil, extraída do livro do registro de óbito(arts. 77 a 88 da Lei 6.015/73).
[2] Conforme esclarece Mª Helena Diniz, o CC adota “... o droit de saisine, de origens obscuras, ante a necessidade de não se dar ao acervo hereditário a natureza de res derelicta ou de res nullius, ...”. Caio Mário esclarece que esse sistema data da Idade Média, como forma de evitar que os bens dos servos fossem devolvidos ao senhor, passando diretamente aos herdeiros.
[3] No CC/16 tinha-se em seu art. 1.572 que “o domínio e a posse da herança transmitem-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários”.
[4] O art. 80 da Lei 6.015/73 exige entre os requisitos do assento de óbito a hora exata e o local, com indicação precisa, se possível.
[5] Antes do CC/02, já se falava em justificação judicial para assento de óbito (Lei 6.015/73), sendo que hoje o Código fala em declaração judicial de morte presumida (art. 7º).
[6] No CC/16, corresponde ao art. 1.578.
[7]Embora esclarecendo que a palavra tem origem germânica não muito clara, Venosa esclarece que deriva de saisir (agarrar, prender, apoderar-se). Vinha de adágio do séc. XIII “le mort saisit le vif (o morto prende o vivo). Ensina ainda o autor que esse sistema chega até nós pelo direito francês, através do CC de Napoleão, art. 724.
[8] Semel heres semper heres.
[9] O simples pedido de abertura de processo de inventário não caracteriza aceitação tácita, vez que se trata de obrigação legal do herdeiro.
[10] Exemplo: o uso contínuo e duradouro de um bem (jóia). O ato de repudiá-la posteriormente caracteriza negócio inter vivos.
[11] Clóvis Bevilaqua, citado por Caio Mário, define-os como sendo “ os que se praticam desinteressadamente, no intuito de prestar um favor, de ser agradável, de satisfazer sentimentos piedosos ou humanitários”.
[12] Equivale à renúncia , pois quem cede gratuitamente a herança, nunca teve intenção real de ser herdeiro.
[13] Ver art. 1.811 do CC/02.
[14] O código não fala em homologação, mas há opiniões no sentido de que deva existir (VENOSA:2005)
[15] Ver art. 1.947 do CC/02.
[16] Prazo decadencial: 30 dias, art. 1.813, § 1º.
[17] Servia para fugir do brocardo ultra vires hereditas, decorrência da confusão patrimonial existente entre o patrimônio do de cujus e o patrimônio do herdeiro.
[18] Antigo art. 1.587 do CC/16. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se existir inventário, que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados.
[19] “... ninguém pode transferir mais direitos do que tem”. “... a cessão de direitos hereditários interpreta-se restritivamente”.

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