terça-feira, 3 de março de 2009

Capacidade para Suceder - Aula 3

FACULDADE SANTO AGOSTINHO
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
DIREITO DAS SUCESSÕES
PROFESSOR JOÃO SANTOS DA COSTA

PLANO DE AULA 03 _____/______/__________

CAPACIDADE PARA SUCEDER

1.0 Noções Iniciais
» Corresponde à “... aptidão para receber, exercer e transmitir direitos” ou “... aptidão para se tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança”.(VENOSA: 2005).[1]

» São pressupostos básicos do sucessor: estar vivo, ser capaz e não ser indigno.

2.0 Aspectos peculiares
2.1 Do Nascituro
» A situação do nascituro. Incidência do art. 2º do CC:

“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.[2]
Pessoa ainda não concebida (nondum conceptus) ao tempo da abertura da sucessão não pode herdar; (exceção – art. 1.799, I)

» Idéia central: a de que o herdeiro exista no momento da morte. Incidência do art. 1.798 do CC:
“Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.

Observar, ainda, em relação à sucessão testamentária, o que reza o art. 1.799, I c/c art. 1.800, § 4º do CC:

“Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;”

Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos[3].


2.2 Da Pessoa Jurídica
» Pessoa jurídica – também possui capacidade sucessória passiva, a qual se dá, no entanto, apenas por testamento[4].

2.3 Capacidade Sucessória Específica
» Legitimação – corresponde a uma capacidade sucessória específica, devendo-se atentar ao que dispõe a lei. É que ocorre com os descendentes[5], ascendentes, cônjuge e colaterais (art. 1.829)[6].

2.4 O Estrangeiro
» Sucessão de estrangeiro – incidência do art. 5º, XXXI da CF c/c art. 10, § 1º da LICC. Há, de certa forma, inibição na vocação hereditária.
“a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;”

3.0 Afastamento da Capacidade Sucessória
3.1 Indignidade
» Consiste em hipótese de afastamento da capacidade sucessória.

» Incidência do art. 1.814 e ss. do CC/02.[7] Pelas hipóteses elencadas, constituem, quanto ao padrão da moral, a vontade presumida do de cujus.

» “ ... vem a ser uma pena civil que priva do direito à herança não só o herdeiro, bem como o legatário que cometeu os atos criminosos ou reprováveis, taxativamente enumerados em lei, contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus”. Mª Helena Diniz (conceito baseado em Washington de Barros Monteiro)

São, pois, excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
• que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

Nota: Não se aplica ao caso, o homicídio culposo, nem cometido com error in persona (aberratio ictus)[8]

• que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

Nota: Incidência dos arts. 138, 139 e 140 e do art. 339 do CP (denunciação caluniosa)

• que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Ex.: constranger o de cujus a fazer testamento, ou impedir-lhe de revogar o anterior; suprimir seu testamento cerrado ou particular; elaborar testamento falso; fazer uso de testamento contrafeito.

Obs.: a deserdação constitui instrumento à disposição do testador para afastar herdeiros necessários da herança, retirando-lhes o direito sobre a legítima. É tratada no art. 1.961 e ss. do CC/02. Poré, tem em comum com a indignidade os mesmos fundamentos (art. 1.814) e a necessidade de uma ação e uma sentença para que se afaste o sucessor (art. 1.815).

Questionamento:
• A imputabilidade afasta a indignidade?
• No caso de crime preterintencional e de aberratio ictus, também ilide a exclusão por indignidade?
• O que ocorre no caso de morte piedosa ou eutanásia? E em caso de instigação ao suicídio?
• Discuta ainda o caso de infanticídio cometido por mãe em estado puerperal[9];

3.1.2 Outros Aspectos da Indignidade
a. Resquícios da morte civil – incidência do art. 1.816:

» São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão;
» O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.

b. Legitimação ad causam
Matéria não tratada no atual Código. No CC de 1916 era tratada nos seguintes termos:
Art. 1.596. A exclusão do herdeiro, ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença em ação ordinária, movida por quem tenha interesse na sucessão.

Há entendimento, no entanto de que esta regra persiste, inclusive para legitimar o Estado ou o MP nos casos de parricídio com único herdeiro ou que os outros se omitam[10].

c. Decadência
No atual Código o prazo é de 4 (quatro) anos[11].

d. Efeitos da Indignidade[12]
- os descendentes do indigno herdam como se ele morto fosse (art. 1.816);
- o indigno é obrigado a devolver os frutos da herança, uma vez que é considerado possuidor de má-fé desde a abertura da sucessão (art. 1.817, § único);
- os atos de administração e alienação do indigno antes da sentença são válidos, ressalvado o direito do novo herdeiro cobrar perdas e danos do indigno;
- a sentença opera efeito ex nunc;
- também perde o indigno o direito ao usufruto e administração dos bens dos filhos que o representam, bem como a sucessão eventual desses bens (art. 1.693, IV e 1.816, § único);

e. Reabilitação do Indigno
- perdão pelo autor da herança, que pode ser dado por testamento ou em outro ato autêntico (art. 1.818);
- se o testamento caducar, ainda assim prevalecerá o perdão, por se tratar de disposição não patrimonial;

3.2 Afastamento em caso de testamento:
» Não podem, também, ser nomeados herdeiros nem legatários (art. 1.719 do CC):
• a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
•- as testemunhas do testamento;
• o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
• o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Notas: esse dispositivo pauta-se fortemente na suspeição daqueles que, potencialmente, poderiam viciar a vontade do testador[13]. A concepção ali expressa é complementada pelo art. 1.802 dos termos seguintes:

São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.

Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.



ESQUEMA:
Nunca foi herdeiro, nada transmitindo aos sucessores;
INCAPACIDADE Impede que surja direito à sucessão; não adquire herança.



Obsta a conservação da herança;
Foi herdeiro;
INDIGNIDADE É própria da sucessão legítima;
Decorre da lei e é declarada por sentença;
Afeta sucessores legítimos e testamentários;


Só opera na sucessão testamentária;
DESERDAÇÃO Deve ser declarada por sentença em vida do testador;
Afasta da sucessão os herdeiros necessários;






[1] “Abertura da sucessão. Direito da concubina . Afinal, ‘a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor’ (art. 1577, do Código Civil). Questão da irretroatividade da Lei nº. 8.971/94. A convivência da autora com o de cujus, que foi ao óbito antes da edição da Lei nº. 8+971/94, não pode gerar os efeitos patrimoniais nela previstos, diante da sua irretroatividade. Decisão: negar provimentos ao apelo, à unanimidade” (TJDF – Ap. Cível 4933298, Acórdão 115270, 7-12-98, Rel. Edson Alfredo Smanioto).
[2] Ensina Mª Helena Diniz que há “... um estado de pendência da transmissão hereditária, recolhendo seu representante legal a herança sob condição resolutiva”. O já concebido herda, porém, por lhe faltar personalidade, é lhe nomeado um curador ao ventre.
[3] É questão atinente aos casos de inseminação artificial e fertilização assistida. Caso inexista testamento, tais filhos não herdarão, pelo princípio atual.
[4] A pessoa jurídica não precisa existir ao tempo da abertura da sucessão, podendo ser instituída como fundação, por disposição de última vontade. Pode-se ainda deixar testamento sob condição de abertura de outra forma de pessoa jurídica. Observe a seguinte jurisprudência: “Direito de Sucessão – Testamento – Testador que conferiu à entidade beneficente todos os seus bens móveis e imóveis – Ocorrência de vício a macular a manifestação de última vontade do testador inexistente – Alegação de incapacidade que deve ser cabalmente comprovada e declarada em juízo – Possibilidade do testador dispor livremente de seus bens, ausentes herdeiros necessários – Fatos que ocorreram na vigência do Código Civil de 1916, que não incluía a convivente como herdeira – Nulidade inocorrente – Recurso adesivo das autoras não provido” (TJSP – Ap. Cível 182.622-4, 29-4-03, 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Elliot Akel – v. u.).
[5] Observar o avanço trazido pela CF em relação aos filhos “ilegítimos – incestuosos e adulterinos”. Incidência do art. 227, § 6º da CF.
[6] “Em relação aos colaterais, ver o art. 1.829, no qual limita a legitimação sucessória até o quarto grau.
[7] A lei tira a aptidão passiva do herdeiro se este houver praticado atos, contra o autor da herança, presumidos incompatíveis com os sentimentos de afeição real ou presumida”. (VENOSA: 2005, p. 61)
[8] Art. 20, § 3º do CP.
[9] Veja o seguinte trecho de artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UNG Vol. 1 - 1999, pág. 175), por Vicente de Paula Rodrigues Maggio : “No infanticídio, a ocorrência do error in persona ou da aberratio ictus não enseja a aplicação do disposto nos artigos 20, § 3º, e 73 do Código Penal. Nesse caso, estará caracterizado outro tipo legal (homicídio), pois a condição personalíssima da vítima foi inscrita no preceito legal incriminador como circunstância constitutiva ou essencial do crime. Atingindo-se por força da aberratio, em situação tal, vítima diversa, inconfundível é que outro será o delito, por falta de correspondência entre o sujeito passivo atingido e o exigido pelo tipo.
O infanticídio é crime que só se aperfeiçoa tipicamente se for vítima o próprio filho da parturiente (artigo 123). Se a mulher, logo após o parto e ainda sob a influência do estado puerperal, encaminha-se para o berçário a que foi levado o seu neonato, com o escopo de matá-lo, culminando, porém, pela aberratio personae ou ictus, por atingir e matar outro recém-nascido, diante estará não do infanticídio, mas sim do homicídio (artigo 121), pois não matou o seu próprio filho”.
[10] Mª Helena Diniz admite a legitimidade do co-herdeiro, legatário, donatário, fisco e credor prejudicado, mas não a do MP.
[11] Art. 1.815, § único. No projeto nº. 6.960/2002, esse prazo será reduzido para 2 (dois) anos.
[12] Lembrar que tais efeitos são personalíssimos, não atingindo bens dos filhos adquiridos a título diverso, nem a meação, em se tratando de herança do cônjuge.
[13] O projeto de lei nº. 6.960/2002 retira o requisito dos cinco anos, dada a sua difícil configuração em concreto.

Nenhum comentário: